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Setor elétrico 2025: entre a abundância de recursos e a escassez de segurança jurídica

  • Foto do escritor: Milton Wells
    Milton Wells
  • há 19 minutos
  • 4 min de leitura
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Por Julien Dias (*)



O encerramento de 2025 consolida um período particularmente sensível para o setor elétrico brasileiro. O ano foi caracterizado por uma elevada instabilidade regulatória, crescente insegurança jurídica e uma persistente ausência de coordenação entre as políticas energética, climática e o planejamento setorial. Embora o discurso oficial permaneça alinhado à transição energética e à descarbonização,  o conjunto de normas, atos infralegais e decisões administrativas adotadas ao longo do ano produziu efeitos que caminham na direção oposta: aumento de riscos sistêmicos, elevação de custos e perda de previsibilidade para investidores e consumidores.


Fragmentação legislativa e o desafio da modicidade

O setor elétrico brasileiro, historicamente estruturado com base em contratos de longo prazo e planejamento centralizado, passou a conviver com mudanças introduzidas de forma fragmentada. A profusão de Medidas Provisórias — com destaque para as MPs nº 1.300/2025 e 1.304/2025 — promoveu alterações estruturais na política tarifária e nos mecanismos de subsídios muitas vezes sem a devida Análise de Impacto Regulatório (AIR) ou articulação institucional entre MME, CNPE, Aneel, ONS e CCEE.

Embora a ampliação da tarifa social e a busca por soluções para a modicidade tarifária sejam objetivos legítimos, as medidas resultaram em uma redistribuição de encargos que penaliza o consumidor cativo e gera distorções no mercado. O desrespeito ao princípio da modicidade — consagrado na Lei nº 9.427/1996 — tornou-se um ponto de fricção constante, elevando o custo estrutural da energia no país.

 

Judicialização e governança pós-privatização

Adicionalmente, o ano de 2025 foi marcado por desdobramentos normativos complexos quanto ao papel da Eletrobras pós-privatização. Interferências regulatórias e políticas reacenderam debates jurídicos sobre segurança contratual, equilíbrio econômico-financeiro e os limites da atuação estatal em empresas de capital aberto.

Tais movimentos ampliaram a percepção de risco regulatório e contribuíram para o aumento da judicialização, fenômeno cada vez mais presente no cotidiano do setor, agravado pelas incertezas geradas pelas Leis nº 15.269/2025 e nº 15.235/2025. Esse cenário de litigiosidade contínua compromete não apenas novos projetos, mas também a sustentabilidade econômica de ativos existentes.

 

O gargalo operacional: curtailment e transmissão

No campo operacional, o tema mais crítico — e ainda insuficientemente endereçado — foi o curtailment (restrições de operação por constrained-off), especialmente de fontes renováveis intermitentes. Em 2025, o ONS intensificou cortes de geração eólica e solar, com picos momentâneos de até 98,5% no Nordeste, motivados por limitações físicas da rede de transmissão e critérios de segurança operativa (RN Aneel 1.073/2023).

A ausência de regras claras e previsíveis para a alocação dos riscos associados ao curtailment gerou forte insegurança jurídica. Os questionamentos sobre compensações e ressarcimentos expuseram falhas estruturais de coordenação entre a expansão da geração e a expansão da transmissão, contrariando diretrizes do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE).

 

Geração distribuída e a transição do "Fio B"

Paralelamente, o setor de Geração Distribuída (GD) continuou enfrentando dificuldades significativas. Apesar da Lei nº 14.300/2022, persistiram incertezas regulatórias na implementação prática das regras de transição. Em 2025, a cobrança do TUSD Fio B (com 45% do componente não compensado desde janeiro) e a resistência das distribuidoras geraram novos conflitos. A GD, inicialmente concebida como instrumento de democratização energética, passou a ser tratada como fonte de desequilíbrio econômico, sem que se tenha avançado em uma reforma tarifária estruturante.

 

O fracasso da COP-30 e o mercado de carbono

No que se refere à agenda climática, o ano também apresentou avanços limitados. O resultado da COP-30 em Belém foi amplamente considerado frustrante: embora o evento tenha reforçado o protagonismo diplomático do Brasil, não houve avanços concretos em financiamento climático ou mecanismos robustos de mercado de carbono.

Internamente, a ausência de um mercado regulado plenamente operacional e de um sinal de preço estável para o carbono contrasta com as experiências internacionais. O descompasso entre o discurso ambiental externo e a prática regulatória interna tornou-se evidente, limitando o papel do setor elétrico como vetor de descarbonização e competitividade industrial.

 

 O paradoxo da energia brasileira

Em última análise, o balanço de 2025 revela um paradoxo incômodo: o Brasil possui a "máquina" mais moderna da transição energética global — uma matriz diversificada, limpa e resiliente —, mas tenta operá-la com um "software" regulatório obsoleto e fragmentado. Os gargalos discutidos ao longo deste ano não são problemas técnicos insolúveis, mas sintomas de uma patologia maior: a substituição do planejamento de Estado por intervenções de curto prazo.


Ao conectarmos os pontos, percebemos que a insegurança jurídica e o resultado aquém do esperado na COP-30 não são eventos isolados. Eles formam um ecossistema de incertezas que afasta o capital de longo prazo e encarece a conta do consumidor. Não basta ao Brasil ser uma "potência ambiental" por natureza se o ambiente de negócios é hostil à previsibilidade. A energia, que deveria ser nossa maior vantagem competitiva na reindustrialização verde, corre o risco de se tornar um custo sistêmico punitivo devido à judicialização e à falta de coordenação institucional.


O encerramento de 2025, portanto, não deve ser visto como uma celebração de recordes de capacidade instalada, mas como um chamado à sobriedade. O setor elétrico brasileiro chegou ao seu limite de tolerância para soluções improvisadas. Para que em 2026 tenhamos, de fato, o que comemorar, será preciso mais do que vento e sol: será necessário o resgate do rigor técnico, o respeito inegociável aos contratos e a coragem política para enfrentar as reformas estruturais que o país clama. Sem isso, continuaremos sendo o "país do futuro" energético, porém permanentemente presos em um presente de incertezas.

 

 

(*) Diretor da Economizenergia



 
 
 

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