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Da Rio-92 à COP-30: Três décadas entre o ideal e a realidade da política energética brasileira

  • Foto do escritor: Milton Wells
    Milton Wells
  • há 20 horas
  • 4 min de leitura
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Por Julien Dias


A realização da COP-30 no Brasil, agora já concluída, reabriu um debate necessário sobre a evolução — ou a falta dela — da política energética e climática brasileira. Mais de três décadas após a Rio-92, desde a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, passando pelo Protocolo de Quioto, pela COP-15 em Copenhague e pela Rio+20, o país alternou momentos de protagonismo diplomático com decisões internas erráticas e pouco estratégicas. A transição energética avançou no discurso, mas permaneceu lenta e fragmentada em sua execução. Examinar essa trajetória exige não apenas a análise dos dados da matriz energética brasileira, mas também a consideração das experiências práticas acumuladas em projetos pioneiros de descarbonização — como os primeiros projetos de MDL do início dos anos 2000.

 

O marco da Rio-92 e o caminho até Quioto

 

A Rio-92 representou um divisor de águas no debate ambiental internacional. A partir dela consolidou-se o arcabouço institucional que culminaria no Protocolo de Quioto e na criação dos mecanismos de mercado de carbono. Enquanto diversas nações enxergaram na descarbonização uma oportunidade de modernização tecnológica e industrial, o Brasil adotou postura cautelosa, evitando compromissos formais de redução de emissões e deixando de construir políticas industriais sólidas no setor energético.

 

O pioneirismo brasileiro no MDL

 

Entre 2001 e 2007, o Brasil esteve entre os protagonistas globais do MDL, com a certificação de projetos de pequena escala, especialmente pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que demonstraram na prática a viabilidade financeira da energia limpa. Nesse período, participei diretamente da criação de metodologia de cálculo de emissões evitadas, da elaboração de Project Design Documents, da condução de processos de validação e verificação com entidades como DNV e BVQI, do registro de onze projetos no Conselho Executivo do MDL e da negociação de créditos de carbono com entidades europeias e japonesas — experiência registrada no artigo Taking Advantage of the Clean Development Mechanism .

O MDL evidenciou que fontes renováveis firmes poderiam se consolidar como alternativa econômica real quando associadas a instrumentos de mercado. Entretanto, em vez de transformar esse pioneirismo em política estrutural, o país desperdiçou parte desse avanço.

 

As decisões que desviaram o Brasil de sua vocação natural

 

Ao contrário de países que utilizaram a transição energética como plataforma de desenvolvimento — como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e China — o Brasil enfraqueceu setores nos quais já era competitivo: etanol, biomassa, cogeração e PCHs. Como discuti no texto Uma Oportunidade Perdida, políticas inconsistentes desarticularam cadeias produtivas inteiras, resultando no fechamento de fábricas, na perda de empregos qualificados e no atraso tecnológico.

Enquanto isso, a expansão desordenada de fontes intermitentes, sem a necessária compensação com reservatórios ou biomassa, ampliou a dependência de térmicas fósseis para garantir segurança ao sistema elétrico. Ao mesmo tempo, o país tornou-se importador de tecnologia solar e eólica, perdendo oportunidades de industrialização e de criação de empregos verdes.

 

A estagnação da matriz energética brasileira

 

Os dados da matriz energética reforçam o diagnóstico de evolução insuficiente. A participação das fontes renováveis na oferta interna de energia manteve-se praticamente estagnada por três décadas:  45% em 1992, 40,8% em 2002, 44,7% em 2006 e 2010, 39,7% em 2014, 45,8% em 2018, 47,4% em 2022 e 49,1% em 2023. Em trinta anos, o ganho real foi inferior a três pontos percentuais.

Paralelamente, as fontes fósseis — incluindo térmicas intensivas em carbono — permaneceram elevadas: aproximadamente 59% em 2002, 60% em 2014 e 51% em 2023. Mesmo sendo um dos países com maior potencial hidráulico e biomássico do mundo, o Brasil continua operando uma matriz energeticamente dependente de combustíveis fósseis.

No setor elétrico, o avanço de solar e eólica representou progresso, mas ocorreu sem planejamento sistêmico. A ausência de novos reservatórios hidrelétricos, que poderiam reduzir a necessidade de térmicas de backup, resultou em custos operacionais mais altos, maior uso de combustíveis fósseis e uma matriz menos eficiente do que poderia ser.

 

O desafio pós-COP-30 e o caminho à frente

 

Com o encerramento da COP-30, torna-se evidente que o Brasil precisa transformar compromissos assumidos em ações concretas e duradouras. O país encontra-se diante de uma encruzilhada que exige visão estratégica, coerência e coragem política. Reforçar hidrelétricas com reservatórios, revitalizar biomassa, etanol, biogás e cogeração, integrar solar e eólica com planejamento robusto, fortalecer o Ambiente de Contratação Livre (ACL) para valorizar energia firme e estimular a reindustrialização de tecnologias limpas são passos essenciais para recuperar o protagonismo perdido.

 

Trinta anos após a Rio-92, ainda persistem contradições entre discurso e realidade. A COP-30 ofereceu ao Brasil uma vitrine mundial, mas também um alerta contundente: ser referência climática exige consistência técnica e política, além de resultados tangíveis. O potencial brasileiro permanece intacto — o que falta é transformar intenção em ação, planejamento em execução e vocação natural em estratégia de Estado. Se o país desejar ocupar uma posição de liderança real na transição energética global, o momento de assumir esse compromisso é agora.

 

Partner at Economizenergia 

 

 
 
 
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