Ricardo Pigatto (*)

Vivemos dias interessantes no setor elétrico brasileiro que a história certamente chamará de “período esquizofrênico”. Há um distanciamento entre a realidade fática - aspectos técnicos e científicos - e a realidade virtual - passionalismo e ignorância. Essa combinação faz com que, por exemplo, haja excesso de capacidade de geração de energia barata e o consumidor cativo brasileiro esteja pagando uma conta de luz extremamente alta. Sob o sofisma das energias -solar fotovoltaica e eólica- baratas e limpas, mas intermitentes, já temos um sistema interligado caminhando a passos largos para ser inseguro. Uma constatação acompanhada pelas maiores autoridades técnicas que o Brasil possui, mas prevalecendo no inconsciente coletivo a máxima da panaceia de que a geração solar vai salvar o Brasil e o planeta. Acho assustador quando pessoas esclarecidas no tema reiteram a necessidade de manter, e quem sabe ampliar, subsídios para quem não precisa mais.
Causa horror ter de esperar a frase que nossas mães diziam quando fazíamos algo errado: “eu avisei”. O fato é que estamos sendo avisados em todos os dias de que vai dar errado. Que o conserto vai custar caro, mas parece que com os reservatórios cheios, as térmicas paradas e a GD existente beneficiada com R$ 300 bilhões em subsídios até 2045 (e crescendo), estamos cumprindo nosso papel na tão propalada transição energética. Papo passional, nada técnico e nada científico.
Melhor do que textos, os números falam por si. A tarifa média ao consumidor cativo era cerca de R$ 300/MWh, em 2013, e hoje já alcança mais de R$ 650/MWh - já ajustada a inflação pelo IPCA). A RAP (receita anual permitida que todos os consumidores brasileiros pagam pelas linhas de transmissão) era de R$ 9,5 bi/ano em 2013. Ao final de 2023 vai alcançar R$ 43 bi/ano, e crescendo.....
Se não houve aumento de consumo na mesma proporção (crescimento pífio em 10 anos em menos de 3% ao ano), a geração mais barata, a hidráulica, caiu de 80% de participação na matriz para 58%, a geração térmica ficou estável,e o poder concedente comprando capacidade e novas linhas de transmissão para estimular o crescimento da intermitência, a solar saiu de quase zero para 18 GW e a eólica de 6,5 GW para 82 GW em 10 anos, qual seria a correlação com o aumento dos custos aos consumidores? Só não vê quem não quer. Caso clássico de esquizofrenia galopante.
Por fim, um sistema interligado como o brasileiro requer atenção redobrada na segurança energética, pois é um jogo de pega-varetas, que quando se mexe numa vareta ela pode movimentar outra que não prevíamos. Não é o caso, ainda, de investir em fábrica de velas e em orações, mas já estamos no rumo.
(*) Empresário
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