top of page

LEIA NA PRÓXIMA EDIÇÃO DE HYDRO BRASIL

revistahydrobrasil




Uma agenda positiva para a transição energética brasileira

Mário Menel (*)

Daniel Pina (**)


O Brasil  é destaque  globalmente na transição energética. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o país finalizou o ano de 2023 com mais de 83% da capacidade instalada de geração por usinas renováveis, enquanto o índice mundial foi de aproximadamente 20%. De acordo com os dados do ONS, o Fator de Emissão de CO2 pela geração de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional do Brasil foi de 0,039 t CO2/MWh, mais de sete vezes menor que a média das nações europeias. O país também é um dos líderes mundiais na produção de biocombustíveis, com a produção de etanol e biodiesel.

O governo federal tem exercido papel notável ao fortalecer a liderança do Brasil no cenário energético mundial. São importantes as iniciativas governamentais para desenvolver novas tecnologias de energia sustentável, tais como o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), voltado para o desenvolvimento da cadeia de hidrogênio no país, e o Programa Combustível do Futuro, o qual engloba diversas ações, incluindo o estímulo ao Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e ao Diesel Verde.

Além dessas medidas, o governo lançou, também, no dia 25 de janeiro, a Agenda Transversal Ambiental, instrumento de planejamento orçamentário de quatro anos, estabelecido por meio de lei que define as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública federal presentes no Plano Plurianual (PPA). A ação engloba sete compromissos ligados à área ambiental, entre eles a gestão e conservação dos recursos hídricos e o enfrentamento da emergência climática.  

A adoção de políticas públicas desempenha papel crucial na viabilização da transição energética. A experiência internacional vem mostrando como os países têm apostado em políticas bilionárias de incentivos (Reduction Inflaction Act, nos Estados Unidos, e o Green Deal Industrial Plan, na União Europeia) entre várias outras medidas.  O Brasil, por sua vez, sem a mesma capacidade financeira desses países, necessita ser diligente, devendo apresentar diretrizes claras sobre seus objetivos, custos associados e critérios de alocação de recursos. A ausência de planejamento pode resultar investimentos ineficientes e sobre custos, em especial, para os consumidores de energia elétrica.

O Brasil obteve êxito ao ampliar  e diversificar a participação de fontes renováveis na matriz elétrica. Ganham destaque iniciativas como leilões de energia por fonte, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), descontos na tarifa e a execução de um sistema de compensação para geração distribuída fotovoltaica. No entanto, atualmente, o país enfrenta desafios para efetivar a redução estrutural desses subsídios, cujos impactos financeiros persistem, afetando os consumidores de energia elétrica e prejudicando, assim, a competitividade econômica brasileira. Essa mesma preocupação é pertinente e relevante ao lidar com novas tecnologias associadas à transição energética, como eólicas offshore, hidrogênio de baixo carbono, etanol de segunda geração e outros combustíveis renováveis.

Nesse contexto, é imperativo que o governo elabore um plano estratégico para impulsionar o financiamento de projetos voltados ao desenvolvimento sustentável. Um passo inicial nessa direção foi estabelecido com a proposta do Plano de Aceleração da Transição Energética (PATEN), atualmente em discussão no Congresso Nacional. Esse projeto de lei busca a criação de linhas de crédito, incentivos fiscais e outras medidas que estimulem o progresso de tecnologias sustentáveis, sem impor ônus aos consumidores de energia elétrica. A busca por esse equilíbrio é fundamental não apenas para garantir a sustentabilidade financeira do setor energético, mas também para preservar a competitividade da economia nacional, evitando impactos adversos de longo prazo nas contas de energia dos cidadãos brasileiros.

Do ponto de vista da segurança energética, o aumento progressivo da participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira traz consigo desafios significativos, especialmente devido à natureza intermitente dessas fontes. Esse cenário se reflete na redução da estabilidade do sistema em momentos críticos, sobretudo quando ocorre uma acentuada redução na geração, acompanhada por elevados patamares de carga.

Uma abordagem eficaz para mitigar esse problema envolve o uso estratégico do armazenamento de energia, seja por meio de baterias ou hidrelétricas reversíveis, capazes de armazenar o excedente de geração e fornecê-lo à rede durante períodos de escassez. Entretanto, é importante observar que o modelo comercial atual não é totalmente adequado para viabilizar o uso eficiente de baterias para esse propósito.

Outra medida relevante diz respeito à diversificação da matriz energética. Isso inclui o crescimento da carteira de fontes renováveis intermitentes complementares, como eólica e solar, além da instalação de fontes de geração controlável, como hidrelétricas e termelétricas de baixa emissão de carbono, como biomassa. A diversificação de fontes de geração de energia, ao promover o efeito portfólio, desempenha um papel fundamental em mitigar os riscos associados às flutuações do suprimento energético, contribuindo para a segurança energética do Sistema Interligado Nacional.

Além disso, a adoção de tarifas dinâmicas, programas de resposta à demanda e outros incentivos para redução do consumo durante os períodos de pico podem contribuir significativamente para enfrentar o desafio do crescimento de fontes intermitentes na matriz elétrica brasileira. Essas estratégias combinadas são indispensáveis para garantir uma transição energética bem-sucedida, sem comprometer a segurança e a confiabilidade do sistema elétrico nacional.

No contexto brasileiro, conciliar segurança sistêmica e geração renovável implica reconhecer ainda o papel vital das hidrelétricas. Atualmente, as hidrelétricas desempenham uma função decisiva ao acompanhar a curva de carga, pois sua flexibilidade operacional permite uma resposta rápida às variações de oferta e demanda, garantindo assim a estabilidade do sistema elétrico e a confiabilidade no suprimento de energia. No entanto, as complexidades associadas a esse tipo de fonte têm desestimulado investimentos, resultando na perda de um importante aliado para a segurança sistêmica e a transição energética.

A dificuldade no processo de licenciamento ambiental para novos projetos de hidrelétricas representa um obstáculo significativo para os investidores do setor. O aumento das exigências ambientais resulta em procedimentos demorados e complexos e acaba por aprofundar a incerteza quanto à viabilidade econômica e operacional desses empreendimentos.

É relevante observar que o aumento do deslocamento da geração proveniente de fontes hidrelétricas, devido à inflexibilidade associada ao crescimento de fontes renováveis não despacháveis e à contratação compulsória de termelétricas inflexíveis, aliado ao aumento progressivo de restrições nas faixas de operação para reservatórios contribuem para a redução do despacho hidrelétrico e, consequentemente, do fluxo de caixa esperado pelo empreendedor.

Por fim, destaca-se a ausência de um modelo comercial que remunere, de maneira adequada, os serviços ancilares prestados pelas usinas hidrelétricas em prol da estabilidade e qualidade do fornecimento de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN). Isso resulta na falta de incentivos para investimentos em melhorias e modernização dessas usinas.

Apesar de ocupar uma posição destacada na transição energética global, o Brasil enfrenta a necessidade iminente de superar os desafios existentes, visando estabelecer um setor energético mais resiliente e sustentável. Nesse contexto, torna-se crucial que o país adote uma agenda positiva para enfrentar obstáculos, como o financiamento de projetos de energia sustentável, a valorização do papel das hidrelétricas e a garantia do suprimento em meio ao aumento das fontes de geração não despacháveis, sem que isso implique aumento de custos para os consumidores de energia elétrica brasileiros. Ao desenvolver políticas públicas e medidas regulatórias claras e assertivas, o Brasil tem a oportunidade de trilhar com sucesso o caminho de protagonista na economia verde mundial.

 

(*) Presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape)

(**) Economista

תגובות


bottom of page