A Lei 15.269/2025: A reabilitação das hidráulicas na segurança elétrica brasileira
- Milton Wells
- há 3 dias
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Por Samuel Alves Barbosa(*)
A Lei 15.269/2025 inaugura um novo ciclo para geração hidráulica de pequeno porte no Brasil. A lei trata de uma medida estrutural, desenhada para resolver o problema da expansão acelerada das fontes renováveis intermitentes e da micro e minigeração sem a correspondente expansão de potência firme e geração síncrona. No novo marco, as usinas hidrelétricas passam a ser reconhecidas formalmente como prestadoras de serviços ancilares capazes de regular tensão, frequência e potência, estabilizar o sistema e oferecer armazenamento natural em seus reservatórios aproximando essas usinas do conceito de “armazenamento sistêmico”, as PCHs e CGHs como as “minibaterias”, e reforçando a necessidade de remuneração específica por confiabilidade. Essa atribuição é especialmente valiosa com a abertura do mercado livre, onde a estabilidade e a qualidade do suprimento dependerão de fontes capazes de atender à demanda nos picos e em contingências.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2035 (PDE 2035) da EPE apresenta a análise que o Custo Marginal de Expansão (CME) das pequenas hidrelétricas, com CAPEX de referência na faixa de R$ 6.000–14.000/kW para PCHs, com baixo custo operacional. Isso resulta em um LCOE (Custo Nivelado de Energia) competitivo entre R$ 180 a 250/MWh, compatível com as alternativas de armazenamento e significativamente inferior às térmicas para atendimento aos horários críticos.
Apesar dos pontos favoráveis a Lei 15.269, que determina a contratação mandatória de 3 GW em PCHs, CGHs e UHEs ≤50 MW até o primeiro trimestre de 2026, com entregas escalonadas entre 2032 e 2034, e potencial de ampliação para 4,9 GW pelo CNPE, não detalhou estudos formais que justificasse o volume e nem a ONS publicou uma matriz de necessidade locacional detalhada sustentando a locação da distribuição dos ativos.
Outro ponto que merece atenção especial é que ativos possam ser despachados de forma orquestrada para atendimento aos critérios de flexibilidade que hoje a rede elétrica necessita. A lei introduziu uma mudança significativa no modelo de contratação desses ativos, que antes tinham como fundamentação fornecer energia (R$/MWh), mas também agregavam valor nos atributos como estabilidade, inércia, controle de tensão e modulação diária. A legislação propõe a contratação via Reserva de Capacidade (R$/MW/ano), ou seja, com pagamento em R$/MW pela disponibilidade de potência (lastro), em vez do modelo tradicional de venda de energia (R$/MWh) no ambiente regulado, por um período longo de 25 anos.
Outro ponto de destaque é que esses empreendimentos serão contratados como lastro não participam do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), e não precisarão compartilhar riscos hidrológicos nem terão garantias físicas alocadas mensalmente. Essa exclusão do MRE elimina o risco de GSF (Generation Scaling Factor), que traz uma incerteza de geração e precificação de riscos aos empreendedores. Em suma, o modelo de lastro da Lei 15.269/2025 equaciona riscos e melhora sensivelmente os retornos para os ativos, o que deve aumentar o apetite de investidores privados por financiá-las, inclusive via debêntures de infraestrutura e fundos de investimento em participação, pois combina fluxo estável de longo prazo com baixo risco.
Outro ponto central é o preço-teto: a lei fixa que os projetos sem outorga utilizarão como referência o teto do Leilão A-6/2019, corrigido pelo IPCA até o edital. Considerando que em 2019, o teto para PCHs/UHE ≤50 MW foi de aproximadamente R$ 314/MWh, isso representa um potencial que o valor teto estimado esteja próximo a R$ 450/MWh.
Do ponto de vista de negócios e da cadeia de suprimentos, o Leilão tem capacidade de movimentar montantes de até 50 bilhões em investimentos em diversos segmentos: fabricantes de turbinas e geradores, empresas de engenharia e construção (EPC), consultorias ambientais, fornecedores de transformadores e equipamentos de conexão, entre outros. Segundo a ABRAGEL, o setor nacional está preparado para atender a demanda, sendo que esses projetos utilizam 100% de tecnologia nacional.
O mercado tem projetos prontos. A ABRAPCH e ABRAGEL indicam um pipeline de 8,9 GW com DRS ou Projeto Básico aceito, sendo que 2,5 a 3,0 GW já estão em estágio ambiental avançado e aptos para o leilão de 2026. Contudo os desafios não devem ser subestimados, a implantação de 3 GW dentro dos horizontes da lei poderá estrangular em gargalos na capacidade industrial e regulatória para entregar tudo no horizonte estabelecido. A concentração de dezenas de projetos e obras pode pressionar os prazos de licenciamento ambiental e outorga, dada a capacidade limitada dos órgãos ambientais e licenciadores, em analisar projetos em paralelo. Igualmente, certos insumos críticos podem tornar-se gargalos, como o fornecimento de transformadores de potência e equipamentos de subestação, que possuem ciclo de produção longo, e hoje competem com outros investimentos no grid.
A conexão à rede também requer coordenação: é preciso assegurar que existam capacidade e obras de transmissão/distribuição sincronizadas com a entrada dessas usinas, evitando atrasos na disponibilidade dessas obras. Em síntese, a Lei 15.269 considerou a implantação dos 3 GW em PCHs, CGHs e UHEs até 50 MW, como definição para reforçar a segurança energética. O sucesso desse processo dependerá da coordenação entre os entes responsáveis pela regulamentação, a operação, a indústria, para garantir que o resultado seja um sinal econômico vantajoso e uma matriz mais limpa, estável e resiliente.
(*) Engenheiro com 14 anos de experiência no setor elétrico e desenvolvimento de novos negócios








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